Domingo - pra que te quero!

Trintaverso - Edição #001

Hoje é domingo! Dia mais… lindo?!

Sempre que eu cantarolo esse trecho “Hoje é domin-go, dia mais lin-do”, ninguém parece reconhecer a canção infantil de onde ele vem.

Talvez essa música não tenha sido um grande hit dos anos 90 como eu imaginava - ou então, simplesmente, ela foi esquecida por fazer tanto sentido quanto o “baby shark, tu tu tu ru tu tu” de hoje em dia.

Na prática, o domingo não é mesmo o dia mais lindo para a maioria das pessoas, afinal.

Ao longo dos anos, já ouvi diversas vezes no consultório relatos de domingos tediosos e ansiosos, que eram mais ou menos assim:

“Quando eu ouço a música do Fantástico, meu coração até dispara.”

Millennial de 30 e poucos anos

Bom, apesar da associação com o programa dominical mais tradicional do Brasil, essa relação entre ser domingo e ficar jururu acontece na vida urbana mundo a fora. Na gringa, tem até um nome: “Sunday Sadness.

E eu acho que sei alguns dos porquês desse fenômeno ser pandêmico.

Vou te contar dois deles aqui embaixo.

Um Porquê: O tédio e a RMP

Se já gastamos todas nossas energias nos “dias úteis”, e já exercemos todo nosso livre arbítrio nos vingando das amarras da rotina no sábado, o que mais nos restaria fazer no segundo “dia inútil” da semana, o domingo, que não “descansar”?

Culturalmente, o domingo virou o dia da preguiça, da greve dos despertadores e da relação simbiótica com os lençóis.

A falta de obrigações - ou a negação delas - é o tempero especial deste dia!

Porém, para alguns, é um tempero agridoce - não aquele suavezinho do China in Box, totalmente adaptado para o paladar brasileiro.

Para algumas pessoas, é aquele tempero agridoce do restaurante Tailandês raiz que o teu amigo paulista faz questão de te apresentar: uma surra de sabores, que te fazem lacrimejar mas que tu tens que dizer que adorou - por que… quem em sã consciência não gosta de ficar à toa? Digo, de agridoce?

É que, na prática, aproveitar o ócio e sofrer no ócio são coisas diferentes.

Cabeça vazia, oficina do tinhoso.

Ditado Popular

No momento em que a nossa cabeça não está executando uma função em específico, o nosso cérebro ativa o funcionamento da Rede de Modo Padrão (“RMP”, em inglês: “Default Mode Network” ou “DNM”).

Esse é aquele estado que entramos quando estamos “viajando” enquanto tomamos banho, ou dirigimos longas distâncias.

Sem uma tarefa externa que exija foco, o cérebro começa a testar conexões menos usuais - o que pode ser excelente para a criatividade, por exemplo.Mas também para encontrar pulga para se coçar.

Logo depois de desbravar ideias dignas de um Nobel, nossa mente continua percorrendo outros caminhos e, naturalmente, acaba entrando em alguns locais sombrios (Alô? Waze? És tu?).

A diferença, porém, é que o Waze faz isso com um objetivo claro: “em 200 metros, vire à direita” para, assim, economizar 1 minuto de trajeto.

A nossa mente, durante o RMP, no entanto, não tem um objetivo em específico, por definição. Ela não está em busca de chegar a nenhum destino final. Na verdade, é até engraçado de pensar: ela sequer sabe o que vai encontrar depois de virar à direita depois de 200 metros. Ela só sabe que é um caminho possível, e decide testá-lo.

Na tentativa e erro, uma hora ou outra, a cabeça entra em ruas esburacadas - isto é: o pensamento encontra um problema.

“Caio, mas então não seria só dar marcha ré?”

Eu gostaria que fosse simples assim. Paulo Leminski, também.

no fundo, no fundo,

bem lá no fundo,

a gente gostaria

de ver nossos problemas

resolvidos por decreto (…)

Trecho inicial do poema “Bem no Fundo”, de Paulo Leminski

“É domingo. Eu mereço descansar. Não vou pensar nisso.“ - decretamos.

Tentamos focar em alguma outra coisa, saímos do RMP, e o problema sai de foco. Porém, como é domingo e merecemos descansar…. nós distraímos, voltamos para o RMP, e a cabeça volta a testar caminhos diferentes e, então, eventualmente, se depara com outro problema.

Daí tentamos focar em alguma outra coisa, e o ciclo vai se repetindo, até que conhecemos o problema e todos os seus parentes.

(…) problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas

Trecho final do poema “Bem no Fundo”, de Paulo Leminski

Outro Porquê: O fim do final.

Pense comigo: quando perguntamos sobre os "planos para o final de semana", as pessoas falam sobre quais dias?

Não é apenas um TGI ("Thanks God, it's friday") seguido pelo sábado, o tal sétimo dia em que até o homem lá de cima haveria descansado.

Geralmente, incluem, também, a programação do domingo: "ficar de boa", geralmente.

Ou seja, apesar de uma semana ter apenas sete dias, o domingo, que é o primeiro dia da semana é vivido como último.

E vivenciado como um fechamento, ele faz a gente acaba olhar para trás - como foi o aproveitamento do final de semana?

Por natureza, temos um viés negativo de memória - lembramos com muito mais facilidade das coisas ruins do que das coisas boas. É um dos motores da - também natural - insatisfação crônica do ser humano com sua situação atual (seja ela qual for).

Esse combo nos faz pensar em um monte de coisas desagradáveis.

Talvez por isso a banda “O Rappa”, próximo à virada do milênio, clamasse por qualquer ocupação neste dia:

🎵 Me abrace e me dê um beijo
Faça um filho comigo
Mas não me deixe sentar na poltrona no dia de domingo 🎶

“Minha Alma”, canção de O Rappa.

Curiosamente, reparem, o pedido era por uma solução quase que definitiva: "faça um filho comigo” (quem sabe assim não arranjamos ocupações o suficiente para não entrarmos na RPM nos domingos pelos próximos 18 anos?).

Brincadeiras à parte, há outras opções de como lidar com isso.

Se não um filho, o que fazer?

Bom, tenho 3 sugestões simples (o que não significa "fáceis", significa "simples", ok?)

  • A primeira sugestão, é buscar o meio termo.

Pare de olhar para os dias da semana como "úteis” e “inúteis".

Pare viver como se os dia de semana necessariamente fossem todos chatos e o sábado e o domingo fossem necessariamente legais. Todos os dias acontecem coisas boas e coisas ruins.

Torne todos os teus dias valiosos, com uma simples ferramenta: a atenção.

Se tu prestares atenção, o dia será bom.

Independentemente de qual dia da semana for.

  • A segunda sugestão, é organizar a rotina da semana

Se tu quiser não ficar à mercê da RMP… foque em uma atividade do lado de fora da cabeça.

Sinceramente, pode ser qualquer atividade: reviver as plantas que estão sofridas sem água e adubo suficiente, reorganizar os armários da cozinha, separar roupas e agasalhos para doar, enfim!

Mas, se quiser uma atividade 2-em-1, organize a semana que está por vir. Isso te ajudará a não ficar preso em pensamentos sobre o que já aconteceu, e te ajudará a focar no que está por vir.

Mesmo que o que estiver por vir sejam mais problemas, organizar tuas atividades da semana vai te ajudar a colocar um limite neles.

  • A terceira sugestão… é… bom, se nenhuma dessas sugestões funcionarem, e não conseguirmos, cognitivamente, melhorarmos a nossa relação com os domingos, quem sabe não abandonamos à racionalidade e agimos no campo simbólico simplesmente rebatizando o fatídico domingo de… primeira-feira?!

Sobre o Trintaverso

Escrito por um psiquiatra forense de trinta e poucos anos, que quer ventilar reflexões sobre o caos contemporâneo de forma mais profunda.

Estejas preparado - novas edições virão em todos os domingos, nesse horário que agente fica deprê.

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E, se estiveres lidando com cansaço excessivo, sem saber de onde ele vem, ou como melhorar disso

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